Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, Yuval Harari antecipou que uma vitória de Putin poderia catalisar conflitos similares. Harari disse “Se Putin vencer, veremos mais ‘Putins’ em muitos lugares do planeta. Veremos países imitando o russo, invadindo os vizinhos e tentando destruí-los.”

Embora Putin não tenha vencido a guerra, o conflito marcou o início de diversas tensões globais. Exemplos incluem o conflito entre Israel e Gaza, o aumento das disputas comerciais entre os EUA e a China, as crescentes preocupações relacionadas a Taiwan e o recente conflito entre Venezuela e Guiana.

Em outubro de 2023, o CEO da J.P. Morgan, expressou a opinião de que estamos enfrentando um dos momentos mais perigosos do mundo em décadas. Em períodos de intensa fragmentação e incerteza global, os investidores naturalmente adotam posturas mais conservadoras, buscando refúgio em ativos considerados seguros.

Historicamente, o ouro e os títulos do governo dos Estados Unidos desempenham papéis cruciais durante períodos de instabilidade. O ouro, um ativo escasso com uma história de mais de 5 mil anos, e os títulos do Tesouro dos EUA, considerados de baixo risco devido à solidez financeira do país, tornam-se opções atraentes.

No entanto, os conflitos recentes colocam os Estados Unidos no epicentro das turbulências, levantando questionamentos sobre a perspectiva do dólar como reserva global de valor. De fato, desde a invasão russa à Ucrânia, o ETF do Tesouro dos EUA de 20 anos registrou uma queda de mais 30%, indicando uma crescente incerteza nos mercados em relação à estabilidade do dólar.

Bretton Woods III

O enfraquecimento do sistema euro-dólar tem sido objeto de debate ao longo de vários anos. No entanto, recentemente, eventos como as sanções contra a Rússia, a apreensão de US$ 300 bilhões das reservas cambiais russas pelos Estados Unidos e o substancial aumento da dívida dos EUA em meio a um cenário de alta inflação reacenderam intensamente a discussão.

Zoltan Pozsar, consultor sênior do Credit Suisse, do Departamento do Tesouro dos EUA e professor visitante no FMI sobre desenvolvimentos macro financeiros globais, chama essa transformação de Bretton Woods III:

Estamos testemunhando o nascimento de Bretton Woods III – uma nova ordem mundial (monetária) centrada em moedas baseadas em commodities no Oriente que provavelmente enfraquecerá o sistema euro-dólar e também contribuirá para as forças inflacionárias no Ocidente.

A crescente desconfiança em relação ao dólar como reserva global de valor, juntamente com receios de possíveis sanções e bloqueios de reservas cambiais, destaca a necessidade de uma nova reserva de valor.

Bancos centrais compram ouro

Historicamente, o ouro tem emergido como um ativo atrativo em períodos de turbulência econômica e recessão. Diferentemente de moedas e títulos, o ouro não está vinculado a nenhum emissor específico, não é diretamente afetado por decisões governamentais e possui a vantagem de não poder ser congelado unilateralmente por um país em detrimento do outro.

Por isso, nos últimos anos, observamos uma tendência significativa entre vários bancos centrais de reduzir suas exposições ao dólar e aumentar suas reservas de ouro. O acúmulo de ouro pelos Bancos Centrais atingiu um ritmo não visto desde 1950 (início da série histórica). E o interesse crescente levou o ouro a uma nova alta histórica de US$ 2.135 (R$ 10.675) em 4 dezembro de 2023.

De acordo com dados do World Gold Council (WGC), os bancos centrais adquiriram 1.147 toneladas de ouro durante o terceiro trimestre de 2023, marcando um aumento notável de 8% em relação à média dos últimos cinco anos e um expressivo aumento de 56% em comparação com o mesmo período do ano anterior.

A demanda por ouro somente no terceiro trimestre de 2023 atingiu uma cifra impressionante de 800 toneladas, estabelecendo um novo recorde na série histórica do WGC. Em 2010, a demanda agregada encontrava-se em 79 toneladas. Em 2022, a procura por ouro por parte dos bancos centrais foi de 1.081 toneladas/ano.

Em outubro de 2023, o Brasil alcançou um marco histórico ao registrar reservas de ouro que totalizaram pela primeira vez a cifra de US$8.3 bilhões. Este valor representa um impressionante crescimento de 22% em relação ao ano anterior e um extraordinário aumento de 176% em relação aos últimos cinco anos.

O metal precioso oferece uma alternativa que permite aos países diminuir sua dependência dos Estados Unidos e contornar as sanções comerciais. Mas o Bitcoin também se apresenta como uma alternativa capaz de oferecer essa proteção. Com um potencial de valorização ainda maior.

O interesse de países pelo Bitcoin

Em 2021, El Salvador fez história ao se tornar o primeiro país a adotar o Bitcoin como moeda legal e emitir títulos de dívida pública denominados em Bitcoin. Essa decisão inicialmente gerou diversas críticas e preocupações.

No entanto, em 2023, gigantes do mercado financeiro, incluindo JPMorgan, Eaton Vance e PGIM Fixed, surpreenderam ao decidir adquirir os títulos públicos emitidos por El Salvador. Esses títulos apresentaram um notável crescimento de mais de 70% ao longo de 2023, superando tanto os títulos denominados em dólar quanto os de países emergentes.

A crescente adoção do Bitcoin estende-se além das fronteiras de El Salvador. O Butão, desde 2019, tem se envolvido ativamente na mineração de Bitcoin, e em maio de 2023, revelou que o país estava alcançando uma produção mensal de 220 Bitcoin, utilizando aproximadamente 11 mil ASICs.

A cidade suíça de Lugano tomou medidas significativas ao estabelecer o Bitcoin como moeda legal em 2022. Outro exemplo notável é o Suriname, que está atualmente em processo de negociação com a empresa JAN3 para converter 1% de suas reservas internacionais em Bitcoin.

Esses casos ilustram uma tendência internacional de reconhecimento e adoção do Bitcoin em diferentes capacidades.

Bitcoin vs Ouro

Em termos de desempenho de ativos, o Bitcoin encontra-se atualmente a 44% de sua máxima histórica em relação ao ouro. Mas é interessante notar que ao mesmo tempo que o ouro atingiu uma máxima histórica em relação ao dólar em dezembro de 2023, o Bitcoin subiu +120% em relação ao ouro em 2023.

Banco Central Europeu reconhece Bitcoin como reserva de valor

Enquanto o aumento das reservas de ouro pelos países é um movimento esperado. Podemos nos perguntar, por que um ativo considerado de alto risco e volátil ganharia valor em tempos de incerteza política e aperto da base monetária?

Em entrevista recente, o CEO da BlackRock chamou o Bitcoin de ouro digital e ativo de proteção contra o processo de inflação e perda de valor das moedas. Jurrien Timmer, diretor de análise Macro da Fidelity, chamou o Bitcoin de “ouro exponencial”.

Em sintonia com esse reconhecimento, o Banco Central Europeu publicou um documento analisando o Bitcoin em relação a 44 moedas fiduciárias. O estudo destacou que, embora as negociações de Bitcoin sejam motivadas pela especulação, a criptomoeda pode oferecer benefícios significativos para países em desenvolvimento com moedas nacionais enfrentando processos de desvalorização. O BCE sugere que, apesar das notáveis flutuações de preço, o Bitcoin pode funcionar como uma reserva de valor e meio de troca em nações que enfrentam uma perda no poder de compra de suas moedas.

A conclusão do estudo ressalta que a instabilidade macroeconômica pode potencialmente impulsionar a adoção do Bitcoin como uma alternativa viável em cenários de depreciação das moedas nacionais. Essas observações refletem a evolução do papel do Bitcoin no panorama financeiro global, não apenas como um ativo de alto risco, mas como uma reserva de valor reconhecida em diversos contextos econômicos.